VALE S.A
Dentro da jornada de transformação cultural, a Vale apresentou, no fim de 2021, durante o encontro anual com investidores em Nova York a sua Ambição Social. Seu objetivo é:
Ser uma empresa parceira no desenvolvimento de comunidades autônomas, engajada em temas relevantes para a humanidade e comprometida com a mineração sustentável
Apoiada em três pilares prioritários — mineração sustentável, comunidades autônomas e causas globais — e alinhada a 10 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (1,2,3,4,5,7,9,10,11 17), a Ambição Social é realizada de maneira voluntária e estabeleceu as seguintes metas até 2030: 1) Apoiar a saída de 500 mil pessoas da extrema pobreza; 2) Colaborar com comunidades indígenas vizinhas a todas as operações da Vale na elaboração e execução de seus planos em busca de direitos previstos na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (UNDRIP, na sigla em inglês); e 3) Figurar entre as três mineradoras do mundo com melhor desempenho ESG avaliados pelas principais agências de rating de sustentabilidade.
“Queremos articular alianças e parcerias envolvendo empresas, governos e terceiro setor em torno de ações e programas estruturantes
para as comunidades onde operamos”, afirmou Maria Luiza Paiva, vice-presidente-executiva de Sustentabilidade da Vale, à época do lançamento do compromisso.
Atualmente, a Vale se relaciona com 13 grupos de Povos Indígenas no Brasil. Apesar de ter sido comunicada oficialmente como uma ambição social em 2021, a defesa da garantia de uma agenda de direitos voltadas para Povos Indígenas, em especial no Brasil, começou a ser gestada bem antes, justamente por conta da amplitude desse relacionamento de longo prazo. A empresa, nas suas rotinas operacionais, aprendeu com os Povos Indígenas a considerar as especificidades do modo de vida dessas populações. Como todo relacionamento de longo prazo, esse relacionamento é dinâmico e passou por várias fases, aprendizados e amadurecimento.
Até 2018, a Vale atuava, basicamente, para atender a exigências legais, com uma equipe reduzida para tratar do tema e fazer o engajamento com essas populações. “Era um trabalho subdimensionado. Tínhamos pessoas especializadas para lidar com licenciamento ou com crises, quando éramos surpreendidos por uma ação de ocupação de uma mina ou de uma ferrovia”, afirma Camilla Lott, diretora de Sustentabilidade Corporativa da Vale.
As mudanças ocorrem a partir de 2018 com a revisão da estratégia da empresa para essas comunidades, prevendo ações de médio e longo prazos a partir da adoção do princípio do Consentimento livre, Prévio e Informado (CLPI) dos Povos Indígenas, previsto na UNDRIP
A estratégia se baseava em três pilares: 1) Criar um relacionamento de confiança, por meio do apoio a iniciativas estruturantes ligadas à garantia de direitos para fortalecer a autonomia dos indígenas; 2) Estabelecer uma relação de ganha-ganha, com benefícios mútuos para os indígenas e para os negócios da empresa; e 3) Estabelecer acordos para pôr fim ao histórico judicial entre as partes. A partir de 2022, houve a revisão e atualização da estratégia contemplando os pilares abaixo:
– Ser um bom vizinho e ser o parceiro de escolha dos Povos Indígenas.
– Considerar um novo pacto com Povos Indígenas.
– Garantir a operabilidade e sustentabilidade dos negócios
– Contribuir para a autonomia dos Povos Indígenas por meio do acesso aos seus direitos.
Para ampliar o engajamento na pauta, atuando na valorização da cultura indígena e do fortalecimento do seu protagonismo, foi necessário reestruturar esta área dentro da companhia. A equipe foi triplicada – hoje são 20 colaboradores no Brasil – e estabeleceu que cada um dos 13 Povos Indígenas com os quais a companhia interage no Brasil deveria contar com um profissional dedicado. Paralelamente, foram realizadas parcerias com especialistas e instituições ligadas à causa indígena, para melhor entender como atuar com essas comunidades a partir da compreensão sobre seus direitos.
“Ao longo desses últimos anos, a gente percebe que a Vale foi se ajustando e mudando a sua forma de atuar, sendo impulsionada por compromissos internacionais, novas legislações e também pela luta dos movimentos sociais. Não bastava fazer o que está dentro da obrigação legal para estruturar um relacionamento de confiança. Precisávamos demonstrar interesse genuíno com o bem viver desses vizinhos”, afirma Carolina Nascimento, gerente de Comunidades e Stakeholders Sociais.
O terceiro pilar da estratégia – fechar acordos para pôr fim a uma relação judicializada entre a Vale e Povos Indígenas vizinhos às suas operações – foi o de maior tempo de maturação e envolveu várias áreas da companhia, como Finanças, Comunicação, Relações Governamentais e, claro, o Jurídico. O primeiro acordo concluído foi com os Xikrin do Cateté, que encerrou controvérsias de 15 anos entre as duas partes. Iniciadas em 2018, as negociações foram concluídas no fim de 2021. Na sequência, a empresa assinou também termos de conciliação com os Kayapó e Gavião.
Camilla Lott avalia que a garantia de direitos de Povos Indígenas vizinhos às operações da Vale tem uma grande relevância para os negócios da companhia, especialmente para a manutenção de suas operações. “Eu não posso operar sem respeitar o beneficiário desses direitos, mas se ele desconhece os seus direitos, ou não está preparado para discuti-los, utilizá-los de forma apropriada, não tenho como evoluir no meu negócio. Neste caso, os dois perdem”, afirma.
Outro fator é importante é que a Ambição Social contribui para a redução de riscos da empresa. “A partir do momento que demonstramos que a empresa está caminhando no sentido do respeito aos seus vizinhos, agindo com responsabilidade e parceria isso diminui o risco, por exemplo, de não obter uma licença ou de ter a sua atividade interditada. E isso tem tudo a ver com o negócio”, completa a diretora de Sustentabilidade Corporativa da Vale.
Em 2019, a Vale decidiu abrir mão de todos os seus processos minerários localizados em Terras Indígenas (TIs) no Brasil, como resultado do entendimento de que a mineração nesses locais só pode ser realizada mediante o Consentimento Livre, Prévio e Informado dos próprios indígenas e de uma legislação que regularize a atividade, o que ainda não existe no país. Entre 2019 e 2021, a empresa renunciou a todos os seus direitos minerários em TIs – um total de 104 processos. O movimento levou também a Vale a se posicionar publicamente sobre o então Projeto de Lei 191/20, que liberava a mineração em Terra Indígena. Em nota à colunista Miriam Leitão, de O Globo, a companhia alegava que a decisão baseava-se no CLPI e que o projeto não atendia “ao objetivo de regulamentar o dispositivo constitucional”. O PL 191/20 foi retirado da pauta da Câmara dos Deputados em março de 2023 a pedido do governo federal.
Em 2020, depois de rodadas de escutas com indígenas e indigenistas, foram definidos a Educação e a Cultura como eixos estruturantes do planejamento estratégico da empresa para essas comunidades. Uma das ações importantes que resultaram da estratégia foi o Projeto de Valorização Cultural Memória Xikrin, cujo objetivo foi o de disseminar a história desse Povo Indígena, localizado no Sudeste do Pará, a jovens desta comunidade que vêm perdendo o contato com as tradições e a cultura de seus antepassados.
A ação foi feita em parceria com a antropóloga Lux Vidal e sua filha, Isabelle Vidal, também antropóloga. Lux conviveu durante 31 anos com os Xikrin e, neste período, manteve um rico acervo de objetos, fotos, filmes, pinturas e gravações de áudio, hoje guardados no Laboratório de Imagem e Som em Antropologia (Lisa), da Universidade de São Paulo. O projeto resultou na publicação de dois livros, na realização de oficinas com indígenas, na construção de uma plataforma online sobre a história daquele povo e ainda na inauguração de um memorial em homenagem a Bep Karoti, um dos maiores caciques da comunidade, morto em decorrência da Covid-19.
A atuação do Instituto Cultural Vale (ICV) foi também fundamental para ampliar a lógica da valorização e proteção da cultura indígena para a toda a sociedade. “Era importante mostrar que a Vale estava atuando na agenda de direitos, de uma maneira voluntária e direcionada. Tínhamos que trabalhar a relação de confiança, e isso passava por ter um bom relacionamento. Queríamos também valorizar a cultura tão rica destes Povos. Então, o ICV vem vindo nessa pegada”, afirma Camilla.
O Instituto Cultural Vale passou, então, a realizar e articular iniciativas voltadas à valorização das culturas dos povos indígenas, como exposições, seminários, projetos de preservação de memória, formação educativa e produção audiovisual, nos quatro espaços culturais que integram o Instituto no Pará, Maranhão, Espírito Santo e Minas Gerais, além de ações com diversos parceiros.
“São dezenas de iniciativas todos os anos, como a exposição ‘Nhe’e Porã – Memória e Transformação’, que realizamos com o Museu da Língua Portuguesa e Unesco e foi marco inaugural da Década Internacional das Línguas Indígenas da ONU no Brasil. Mais de 200 mil pessoas já visitaram a mostra em quatro estados de atuação da Vale e na sede da Unesco, em Paris”, conta o diretor-presidente do Instituto Cultural Vale, Hugo Barreto. “Realizamos também há seis anos o festival audiovisual ‘Indígenas Br’. Em 2023, cocriamos com 17 povos originários do Maranhão, a exposição ‘Maranhão: Terra Indígena´, no CCVM. Com o Museu da Pessoa, realizamos o projeto de formação audiovisual e produção de memórias ‘Vidas Indígenas’, circulamos pelo Brasil com a mostra inédita ‘Araetá’, de literaturas indígenas, e, atendendo a chamado do Ministério dos Povos Indígenas, apoiamos a realização do festival ‘Brasil: Terra Indígena’, em Brasília, entre outras ações de valorização das culturas indígenas”, acrescenta.
Abaixo, mais detalhes de ações do ICV:
1º Bienal das Amazônias – Realizada entre agosto e novembro de 2023, a mostra reuniu, em Belém, as obras de 121 artistas mulheres de povos da chamada Pan-Amazônia. Foi intitulado de “Sapukai”, palavra da língua Tupi que pode ser traduzida para o Português como “grito”, “clamor” ou “canto”.
Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação – Exposição realizada entre outubro de 2022 e abril de 2023, no Museu da Língua Portuguesa (SP), sobre os territórios materiais e imateriais, histórias, memórias e identidades dos Povos Indígenas brasileiros, a riqueza de suas línguas e trajetórias de luta e resistência, assim como os cantos e encantos de suas culturas milenares.
Vidas Indígenas Maranhão – Realizado em parceria com o Museu da Pessoa, entre 2021 e 2022, o projeto teve o objetivo de resgatar e valorizar histórias de três povos indígenas, no Estado: Guajajara, Ka’apor e Awá-Guajá. Foram realizadas oficinas com jovens indígenas para que eles próprios captassem depoimentos orais em vídeo de lideranças de suas comunidades. Tornaram-se os “Guardiões da Memória”. Na experiência com os Guajajara, por exemplo, foi inaugurada, na culminância do projeto, a Floresta das Histórias nas Terras Indígenas Rio Pindaré e Caru: uma árvore foi plantada para cada uma das 44 pessoas entrevistadas, que contou a sua história, simbolizando a sua trajetória e a preservação das memórias indígenas. As histórias estão disponibilizadas no portal do Museu da Pessoa (https://memo.museudapessoa.org/vidas-indigenas-maranhao/).
Telemedicina
Ainda em 2020, no auge da pandemia de Covid-19, números apontavam que a mortalidade pela doença entre os indígenas poderia ser muito maior do que o registrado no resto da população brasileira – e foi o que confirmou um relatório da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Em dezembro daquele ano, a taxa de mortalidade na população indígena chegou a 991 por milhão, 16% superior à mortalidade geral no país, 852 por milhão . Para minimizar a grave situação, a Vale firmou uma parceria com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) para a implantação de um serviço de telemedicina que viabilizou a realização de consultas à distância com especialistas de diversas áreas para cerca 755 mil indígenas, espalhados em seis mil aldeias. Além disso, cada unidade dos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas do país recebeu um “kit de telessaúde”, com aparelhos essenciais para o monitoramento da saúde dos indígenas. Equipes de profissionais foram treinadas para manusearem os equipamentos e realizarem os atendimentos nas unidades de saúde indígena.
Dentro da jornada de transformação cultural, a Vale apresentou, no fim de 2021, durante o encontro anual com investidores em Nova York a sua Ambição Social. Seu objetivo é:
Ser uma empresa parceira no desenvolvimento de comunidades autônomas, engajada em temas relevantes para a humanidade e comprometida com a mineração sustentável
Apoiada em três pilares prioritários — mineração sustentável, comunidades autônomas e causas globais — e alinhada a 10 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (1,2,3,4,5,7,9,10,11 17), a Ambição Social é realizada de maneira voluntária e estabeleceu as seguintes metas até 2030: 1) Apoiar a saída de 500 mil pessoas da extrema pobreza; 2) Colaborar com comunidades indígenas vizinhas a todas as operações da Vale na elaboração e execução de seus planos em busca de direitos previstos na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (UNDRIP, na sigla em inglês); e 3) Figurar entre as três mineradoras do mundo com melhor desempenho ESG avaliados pelas principais agências de rating de sustentabilidade.
“Queremos articular alianças e parcerias envolvendo empresas, governos e terceiro setor em torno de ações e programas estruturantes
para as comunidades onde operamos”, afirmou Maria Luiza Paiva, vice-presidente-executiva de Sustentabilidade da Vale, à época do lançamento do compromisso.
Atualmente, a Vale se relaciona com 13 grupos de Povos Indígenas no Brasil. Apesar de ter sido comunicada oficialmente como uma ambição social em 2021, a defesa da garantia de uma agenda de direitos voltadas para Povos Indígenas, em especial no Brasil, começou a ser gestada bem antes, justamente por conta da amplitude desse relacionamento de longo prazo. A empresa, nas suas rotinas operacionais, aprendeu com os Povos Indígenas a considerar as especificidades do modo de vida dessas populações. Como todo relacionamento de longo prazo, esse relacionamento é dinâmico e passou por várias fases, aprendizados e amadurecimento.
Até 2018, a Vale atuava, basicamente, para atender a exigências legais, com uma equipe reduzida para tratar do tema e fazer o engajamento com essas populações. “Era um trabalho subdimensionado. Tínhamos pessoas especializadas para lidar com licenciamento ou com crises, quando éramos surpreendidos por uma ação de ocupação de uma mina ou de uma ferrovia”, afirma Camilla Lott, diretora de Sustentabilidade Corporativa da Vale.
As mudanças ocorrem a partir de 2018 com a revisão da estratégia da empresa para essas comunidades, prevendo ações de médio e longo prazos a partir da adoção do princípio do Consentimento livre, Prévio e Informado (CLPI) dos Povos Indígenas, previsto na UNDRIP
A estratégia se baseava em três pilares: 1) Criar um relacionamento de confiança, por meio do apoio a iniciativas estruturantes ligadas à garantia de direitos para fortalecer a autonomia dos indígenas; 2) Estabelecer uma relação de ganha-ganha, com benefícios mútuos para os indígenas e para os negócios da empresa; e 3) Estabelecer acordos para pôr fim ao histórico judicial entre as partes. A partir de 2022, houve a revisão e atualização da estratégia contemplando os pilares abaixo:
– Ser um bom vizinho e ser o parceiro de escolha dos Povos Indígenas.
– Considerar um novo pacto com Povos Indígenas.
– Garantir a operabilidade e sustentabilidade dos negócios
– Contribuir para a autonomia dos Povos Indígenas por meio do acesso aos seus direitos.
Para ampliar o engajamento na pauta, atuando na valorização da cultura indígena e do fortalecimento do seu protagonismo, foi necessário reestruturar esta área dentro da companhia. A equipe foi triplicada – hoje são 20 colaboradores no Brasil – e estabeleceu que cada um dos 13 Povos Indígenas com os quais a companhia interage no Brasil deveria contar com um profissional dedicado. Paralelamente, foram realizadas parcerias com especialistas e instituições ligadas à causa indígena, para melhor entender como atuar com essas comunidades a partir da compreensão sobre seus direitos.
“Ao longo desses últimos anos, a gente percebe que a Vale foi se ajustando e mudando a sua forma de atuar, sendo impulsionada por compromissos internacionais, novas legislações e também pela luta dos movimentos sociais. Não bastava fazer o que está dentro da obrigação legal para estruturar um relacionamento de confiança. Precisávamos demonstrar interesse genuíno com o bem viver desses vizinhos”, afirma Carolina Nascimento, gerente de Comunidades e Stakeholders Sociais.
O terceiro pilar da estratégia – fechar acordos para pôr fim a uma relação judicializada entre a Vale e Povos Indígenas vizinhos às suas operações – foi o de maior tempo de maturação e envolveu várias áreas da companhia, como Finanças, Comunicação, Relações Governamentais e, claro, o Jurídico. O primeiro acordo concluído foi com os Xikrin do Cateté, que encerrou controvérsias de 15 anos entre as duas partes. Iniciadas em 2018, as negociações foram concluídas no fim de 2021. Na sequência, a empresa assinou também termos de conciliação com os Kayapó e Gavião.
Além de já registrar resultados positivos no avanço da agenda de direitos dos Povos Indígenas por meio de instrumentos previstos na UNDRIP, a Vale também desenvolve, dentro da meta indígena da Ambição Social, uma outra ação estruturante, que é o Programa Indígena de Permanência e Oportunidade na Universidade (Pipou). Criado em 2021, o programa está diretamente ligado ao eixo de Educação da Política de Sustentabilidade da Vale e, assim como nas discussões da implementação dos instrumentos, vincula-se aos princípios da UNDRIP, em seu artigo 14: “Os indígenas, em particular as crianças, têm direito a todos os níveis e formas de educação do Estado, sem discriminação.”
O Pipou visa estabelecer estratégias de apoio à permanência da população indígena nas universidades, superior por meio de bolsas de estudo (R$ 1.200 por aluno) e a doação de um notebook, além de apoio pedagógico para evitar que os alunos indígenas desistam do curso. Há também rodas de conversa que trazem pautas relevantes sobre a luta pelos direitos dessas comunidades. No Brasil, por conta de uma legislação que garante cotas a populações minorizadas, estudantes indígenas têm conseguido ter mais acesso ao ensino superior, mas muitos desistem devido a barreiras linguísticas, lacunas na educação básica, falta de acesso a recursos financeiros, logística, longas distâncias das terras indígenas e discriminação racial. Estima-se que haja 60 mil alunos indígenas matriculados em universidade, o equivalente a 6% da população indígena brasileira.
Atualmente, o Pipou está no seu segundo edital e já contemplou bolsas para 100 alunos de 32 grupos indígenas no Brasil, dos quais cinco têm relacionamento com a Vale (Guajajara, Gavião, Tupiniquim, Krenak e Kayapó). Do total de bolsistas, 65,5% são mulheres e 81%, estudantes de universidades públicas.
A dinâmica do Pipou ocorre da mesma forma que a adotada na definição dos instrumentos de acesso a direitos: todo o trabalho e contato com os alunos são feitos pela equipe do ISPN (Instituto Sociedade População e Natureza), uma ONG com 32 anos de ações voltadas para causas indígenas e de defesa do meio ambiente. “Embora a ideia tenha sido da Vale, só aceitaríamos entrar na parceria se tivéssemos autonomia institucional para fazer o programa. A Vale topou e foi assim que surgiu o Pipou”, explica o antropólogo João Guilherme Cruz, coordenador do Programa Povos Indígenas do ISPN.
A partir da sua concepção inicial, o programa passou a ser acompanhado por um colegiado permanente, que inclui a Vale, e é formado em sua maioria por especialistas indígenas, como Gersem Bewina e Alberto Terena, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), e por lideranças do Movimento Nacional dos Estudantes Indígenas. “Queríamos que houvesse um colegiado que pudesse agrupar representações para além da Vale e do ISPN, especialmente, de lideranças indígenas, uma espécie de conselho que nos orientasse nos caminhos estratégicos do programa e que tomassem algumas decisões conosco”, explica João Guilherme.
Desde 2021, 14 indígenas do programa conseguiram concluir seus cursos. É o caso de Regilanne Guajajara, que mora no Sudeste do Pará, e se formou em Psicologia em dezembro de 2023 pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). “O Pipou foi fundamental para que pudesse chegar onde cheguei. Foi através do programa que tive várias oportunidades acadêmicas. Ele me ensinou a me expressar melhor. Não sabia nem fazer um Powerpoint para uma apresentação em grupo e até nisso eles me ajudaram”, lembra. Mãe de um filho com deficiência, Regilanne quase desistiu: “Era muito difícil, porque também tinha que cuidar do meu filho, mas nunca deixei de ter apoio da equipe do Pipou e da minha família.”
Weldeson Guajajara, da Terra Indígena do Rio Pindaré, no Maranhão, é outro que conseguiu terminar sua graduação. Formou-se em bacharelado em Ciências Sociais pela em Universidade Estadual do Maranhão (Uema), em agosto de 2023. “São Luís fica 254 quilômetros da minha Terra Indígena. Tive que fazer esse deslocamento, passar a residir na capital, que tem uma dinâmica completamente diferente de onde eu vivia. Depois, teve a própria adaptação na universidade, onde encontrei um universo totalmente novo, com situações de vida e formas de pensar bem diferentes do que estava acostumado. E, por fim, enfrentei situações de preconceitos, principalmente de pessoas que não entendem a lógica indígena, mas fui superando tudo isso, com o apoio do programa”, lembra Weldeson, que atualmente está fazendo mestrado em Desenvolvimento Social na própria Uema.
Com prazo de vigência até 2025, o Pipou caminha para a sua terceira turma. Por meio do projeto Partilhar, da Vale, tem sido possível atrair fornecedores da empresa como parceiros da iniciativa. No ano passado, por exemplo, as empresas asiáticas Double Arrow e CMH fizeram aporte de recursos no programa.
Por estar prevista na Ambição Social da empresa, a meta para Povos Indígenas é acompanhada pelas principais lideranças da empresa, como o Conselho de Administração e o CEO. Ela faz parte também da meta individual da vice-presidente de Sustentabilidade, Malu Paiva. Os avanços são relatados nas reuniões periódicas do Comitê de Sustentabilidade, ligado ao Conselho de Administração. “A visão de médio e longo prazos foi um ponto fundamental de mudança cultural na empresa. Foi preciso engajar líderes das operações, de projetos, de que a paciência era necessária para uma estratégia mais robusta, porque, com os indígenas, nada iria funcionar no curto prazo e a gente iria continuar gerenciando crise”, lembra Camilla.
Para comemorar os 40 anos de relacionamento entre os Xikrin do Cateté e a Vale, foi organizado em 1º de julho de 2022 um grande evento na aldeia-mãe daquele Povo Indígena, que contou com a presença do CEO da Vale, Eduardo Bartolomeo, e diversas lideranças da empresa. Em 80 anos de história da companhia, também comemorados em 2022, foi a primeira vez que um CEO da Vale pisou naquela Terra Indígena.
“Hoje estamos vivendo um momento de grande maturidade da relação, com muito respeito e confiança mútuos. A Vale está há quase 40 anos na Amazônia e celebrar um acordo como este, aqui na casa dos Xikrin, é histórico para a companhia, um divisor de águas, e que reflete interesses comuns. Somos uma empresa baseada na natureza e eles também. Vamos dar passos muito fortes daqui para frente com o objetivo de melhorar a vida e transformar o futuro juntos”, afirmou Bartolomeo durante a cerimônia. Dias depois, os Xikrin retribuíram o gesto e foram até a “casa” da Vale, no auditório do Núcleo Urbano de Carajás, no Sudeste do Pará, onde estão localizadas as operações da empresa.
Todas as iniciativas apresentadas são boas práticas e passíveis de disseminação, replicação e continuidade. Apoiar o acesso a direitos indígenas contribui para colocar a pauta indígena na agenda ESG das empresas. O PIPOU, por exemplo, é um programa replicável, o que permite, portanto, aumentar a sua escala de atuação, contribuindo para as empresas fortalecerem políticas púbicas de permanência de estudantes indígenas no ensino superior
Camilla Lott avalia que todas essas ações fomentam protagonismo e autonomia dos indígenas. E completa: “Uma mineradora tomar à frente, pró-ativamente, de ações para conscientizar indígenas sobre seus direitos – direitos esses muitas vezes questionados pela sociedade – é um passo muito importante de uma empresa que definitivamente não está fazendo bluewashing e que quer ser sustentável de verdade.”
Gersem Beniwa concorda com Camilla e torce para que outras empresas sigam no mesmo caminho. “Acho que no campo empresarial, é uma iniciativa que abre portas, horizontes, possibilidades. E isso pode servir de inspiração para que outras empresas sigam no mesmo caminho, porque quanto mais empresas aderirem a experiências como a que a Vale vem fazendo, o mundo ganha, a sociedade ganha e, claro, os povos indígenas também”, conclui.